Os Cruzados #03: O Grupo (Conclusão)



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Tudo destruído. Por todo lado onde os soldados cruzados olhavam, viam apenas a destruição do que antes fora o Condado de Essex. Balduíno estava à frente de sua tropa, enquanto alguns homens procuravam por sobreviventes. Baltazar e Feodor eram dois destes.
Paredes chamuscadas do que um dia já fora uma casa. Tetos destruídos e caídos sobre os corpos carbonizados, uma cena completamente desoladora. Baltazar cutucava com a ponta de sua espada o feno queimado, mas nenhuma pessoa viva foi encontrada. O guerreiro e Feodor voltaram com as más notícias e Balduíno não se impressionou.
O líder andou por alguns metros e se ajoelhou perante aquilo que parecia ser uma antiga Igreja, e ali orou. Enquanto isso, Mortis comentava com seus outros companheiros, o ódio presente na voz.
- Que diabos aconteceu aqui? Onde estão todos? Maldição!
- Nenhum humano seria capaz de tal crueldade. Espero que nossas casas ao norte estejam intactas. – disse Gradus.
- Vamos homens... Devemos continuar nosso caminho. – disse Balduíno, se aproximando de seu grupo novamente, cabisbaixo.
Os soldados agora eram poucos. Nada comparado ao enorme exército que lutara na Batalha de Azaz. Não havia muito sol naquele dia. Não havia o porquê do brilho jubiloso daquela estrela incandescente que poderia até mesmo aumentar a auto-estima daqueles homens. Algo de muito sério estava acontecendo com o mundo. Eles não sabiam, mas o Inferno, visível e invisível, caminhava sobre a Terra.
E se não soubessem, estavam prestes a descobrir. Sob as pedras, os corposcarbonizados mortos ganhavam vida, enchendo de ar o pulmão comprometido. Algo inexplicável estava acontecendo.
Ninguém viu o primeiro ser, que se assemelhava a uma mulher, por ainda ter os seios reconhecíveis, se aproximando. A moça irreconhecível se prendeu a um soldado e mordeu-lhe o pescoço. O sangue proveniente da jugular espirrou no chão, fazendo com que o guerreiro soltasse um grito de dor e pavor.
Todos se viraram ao mesmo tempo e viram a cena degradante. A mulher encarava outro guerreiro, que estava paralisado de medo. Com o canto dos olhos, Gunnar viu outros dez seres se aproximando. Arrancou sua espada e se preparou para a batalha.
***
No mundo espiritual, Balor observava suas crias matarem os homens do alto. Soltava risadas que mais pareciam ganidos. Impressionou-se com a habilidade de um mortal que lutava com toda a sua raiva contra dois zumbis.
***
Gunnar jogou sua espada para a mão esquerda e decepou a cabeça de uma criatura, logo em seguida jogou a arma para a mão oposta e fatiou outro zumbi ao meio. Assim que aquele demônio caiu no chão, virou cinzas e se dissipou. Mais e mais monstros como aqueles se aproximavam.
Baltazar se juntou ao grupo e teve que se defender rapidamente de três zumbis que se aproximavam sedentos por sangue. A espada fez o seu trabalho, cortando todos os seres pela metade, enquanto estes soltavam gritos estridentes e que se assemelhavam a um urro de dor.
Mortis pulou contra cinco deles, jogando-os no chão e em seguida, passando sua foice para arrancar os membros dos demônios em carne humana. Os homens estavam cansados, não queriam mais lutar, mas agora era a sobrevivência quem falava mais alto e isso instigou os soldados a lutar mais bravamente.
- Eles são muitos! – gritou um guerreiro, segundos antes de ser mordido no pescoço.
- Não desistam homens! Somos Guerreiros do Senhor e nunca nos renderemos! Lutem bravamente, e guardem vosso lugar no paraíso! – gritava Balduíno.
O destemido líder quase levou uma mordida no braço, não fosse por Gradus, que sorriu assim que o rei acenou positivamente com a cabeça, olhando para a criatura demoníaca que acabara de perder sua cabeça.
Feodor retirou suas duas espadas e girou-as no ar, cortando os braços de uma criatura, porém não surtira nenhum efeito. O monstro continuava a investir contra o guerreiro, que cruzou as duas espadas e finalizou com uma decapitação.
Balor, que antes via o júbilo e a vitória certa, rosnava e gritava para os céus. Não podia acreditar que todo o seu exército improvisado estava sendo despedaçado por apenas seiscentos homens! Não podia aceitar isso. Portanto, partiu. Suas enormes asas se abriram e ele alçou vôo. Apenas sua silhueta vermelha no horizonte, até que ele estivesse longe demais para ser visto.
“Malditos humanos! Acham que podem vencer o reino do Inferno? Mataremos todos vocês antes mesmo que pensem em revidar os ataques.” Pensou o demônio, se dirigindo para a cidade mais próxima: Espiritus-Sanctum.
Do jeito que começou aquele ataque em massa, terminou. Os soldados ainda estavam temerosos, olhavam de um lado para o outro, temendo outra onda de ataques. Balduíno fora ferido no braço, causado por uma espada de um aliado, que sem querer acabara por tocar no braço do líder. Baltazar ainda girava sua espada rente ao corpo, olhando atentamente para os lados, com Mortis ao seu lado. Logo atrás, Gunnar com sua típica feição fria e calculista, porém agora ele tinha um toque assustado em seus olhos.
Feodor e Gradus mantinham a posição de proteção com as costas coladas, um protegendo o outro. Assim que notaram que nada mais iria acontecer, embora estivessem preparados para qualquer coisa, todos começaram a comentar.
- O que foi aquilo? – perguntou Mortis.
- Não sei, mas algo de muito errado está acontecendo. Gunnar, você está bem? – Baltazar mantinha sua feição preocupada.
Gunnar não respondeu, apenas acenou positivamente com a cabeça, virando-se logo em seguida e embainhando a espada. Apesar de não demonstrar, ele estava tenso.
- Cavaleiro ao norte! – gritou um soldado, chamando a atenção de todos.
Balduíno forçou sua visão para ver um rapaz, que, por mais que estivesse muito longe, já não demonstrava nenhum sinal para se preocupar. Em alguns minutos de tensão, o cavaleiro misterioso ergueu a bandeira com o brasão da Inglaterra.
Demenzel bateu com força nas costelas do animal para ver o que estava acontecendo e a cena foi desoladora. Criaturas saíam do meio das casas totalmente destruídas e mordiam alguns soldados. Ele não podia acreditar em seus olhos. Os mortos estavam voltando à vida. Ele viu os guerreiros de Deus lutar bravamente contra os mortos que insistiam em tirar um pedaço de suas carnes.
E o ar daquela região parecia estar tão... carregado. Demenzel não sabia a causa, mas não se sentia bem ali. Algo de muito mal estava presente naquelas ruínas do que um dia chegou a ser a cidade de Essex. As espadas continuavam a rasgar os corpos, que ao tocar no chão, se transformavam em cinzas e desapareciam. O mensageiro pensou em erguer sua espada e descer até o campo de batalha para auxiliar o rei, porém antes que ele fizesse isso, a sensação estranha de que algo maligno estava ali passou e os mortos caíram ao redor dos soldados. Tinha sido como se a máquina que os movia havia sido destruída.
Agora Demenzel não sabia mais o que fazer. Não sabia se a ameaça havia realmente acabado. Os soldados se movimentavam como formigas. E então, no momento em que ele ia descer o enorme morro com seu cavalo, um homem gritou, apontando em sua direção:
- Cavaleiro ao norte!
O mensageiro ficou sem reação. Não sabia o que fazer. Viu os arqueiros prepararem os arcos prontos para acertá-lo. Por sorte, ele se lembrou. Ergueu a bandeira com o brasão da Inglaterra. Foi por pouco realmente.
Baltazar apenas fitou o cavaleiro desajeitado descendo o morro com aquele belo cavalo branco, assim como todos os outros guerreiros esperavam qualquer movimento em falso daquele rapaz.
- Quem é o rapaz? – perguntou Mortis, se aproximando de Baltazar.
- Mensageiro, com certeza. Mas também pode ser um batedor, vendo qual é o tamanho de nosso exército para que os outros guerreiros venham e nos exterminem. – supôs Baltazar, sem desgrudar os olhos do rapaz.
- Mas com a bandeira da Inglaterra? – desta vez foi Gradus quem perguntou.
- Nunca ouviu falar de roubo? – Baltazar respondeu ríspido.
- Ele está certo. Mantenham sua atenção redobrada para qualquer movimento além das montanhas. – Feodor ordenou.
Gunnar se aproximou do grupo e ficou em estado de alerta, pronto para matar o rapaz caso este fosse um inimigo. Porém assim que viu que se tratava de um jovem de no máximo vinte e cinco anos, retirou o capacete e colocou-o de baixo do braço direito.
Demenzel se aproximou de Balduíno, desceu do cavalo e se ajoelhou sobre a perna esquerdo. O rei fez sinal para que esse se levantasse e disse:
- Qual mensagem o povo da Inglaterra nos traz?
- O Grão Sacerdote da vila de Espiritus-Sanctum está requerendo cinco de seus melhores soldados para resolver os assuntos da igreja. – respondeu Demenzel, levantando-se e olhando nos olhos do rei.
- Vamos conversar num lugar reservado. Preciso que me conte tudo. – respondeu o rei, colocando sua mão direita nas costas de Demenzel, forçando-o a segui-lo.
Ambos se dirigiram para trás da igreja e ali ficaram por longos minutos, conversando sobre o que estava acontecendo. Enquanto isso, os soldados haviam se impacientado. Queriam saber logo o que estava acontecendo, pois nunca a igreja chamaria os cinco melhores soldados para poder fazer o serviço religioso dela.
Baltazar cortava o ar com a espada enquanto Mortis tratava-se de treinar sua defesa. O guerreiro erguia sua foice acima da cabeça como se defendesse de uma espada que estava descendo para cortá-lo no meio. Logo em seguida, jogou a arma para o lado, defendendo de um ataque lateral pela esquerda.
Gunnar havia se sentado, pois a cota de malha começava a pesar demais. Desde os tempos em que Feodor o conhecia, o guerreiro sempre fora calado. Não gostava de conversar, apenas executava o seu trabalho e mostrava ser um espadachim de respeito.
Gradus conversava com dois outros soldados. Ele coçava a cabeça constantemente, não sabia a causa. Era quase como um vício, uma necessidade imensa de acabar com aquela gostosa e doce coceira. Talvez fosse por isso que os dois soldados mantinham certa distância dele.
Um longo tempo se passou e isso deixou os soldados estressados. Mortis passara a chutar a terra de seu sapato.
- Por que eles tem que conversar por tanto tempo assim? – perguntou Feodor, sentado ao lado de Baltazar, que olhava para o horizonte, pensativo.
- É verdade! Devemos exigir saber o que está acontecendo! Se eles demorarem mais três minutos, eu vou ali e vou exigir saber o que aconteceu. E assim disse Gradus! – disse o guerreiro, estufando o peito.
Dez minutos se passaram e Gradus nada fez. Continuava sentado, ao lado de Mortis, sobre os pedaços de pedras do que um dia foi uma parede. O sono já se abatia sobre os guerreiros, mas logo foram despertados quando Balduíno II e Demenzel saíram de trás da Igreja, o rei estava com uma face perplexa.
- Homens... Algo de muito estranho está acontecendo com a Terra e isso não é mistério para nenhum de vocês. Hoje mesmo enfrentamos criaturas que juramos estarem mortas. – dizia o líder. – Portanto, peço ao comandante Feodor para que recrute quatro de seus melhores soldados e que partam imediatamente com Demenzel para Espiritus-Sanctum. A Igreja precisa de nós como nunca precisou antes. – Balduíno abaixou a cabeça, como se estivesse lhe custando muito acreditar no que estava acontecendo.
Feodor não demorou. Levantou-se rapidamente, ainda que a armadura lhe pesasse ao corpo e olhou para as tropas, que agora, em sinal de respeito ao rei, estavam todas bem alinhadas e em posição de sentido. Os olhos do comandante passaram lentamente por cada soldado.
- Gunnar. – ele disse.
O guerreiro silencioso caminhou até Feodor e se postou ao lado dele. Seu semblante era o mesmo, sempre. Não importa o que acontecesse, ele nunca mudava sua face, não expressava emoção. Talvez por isso ele fosse um inimigo tão temido.
Feodor continuou sua escolha. Seus olhos caíram sobre Baltazar e ele se perguntou se o guerreiro seria mesmo digno de sua confiança. Quer dizer, ele nunca guerreou ao lado do rapaz, então não sabia sobre as habilidades dele. Só o vira numa batalha cinco dias atrás e se impressionou com as habilidades dele.
- Baltazar.
O guerreiro chamado se sobressaltou, não esperava ser chamado. Ficou um tempo imóvel sem saber o que fazer, mas logo foi em direção ao comandante e olhou em seus olhos. Fez posição de sentido e foi para o lado de Gunnar, que o seguiu com os olhos.
Agora só restavam dois guerreiros. Feodor precisava de um guerreiro que batalhasse muito bem e que conhecia sobre estratégia, porém também precisava de um guerreiro que fosse muito violento, o que o levou a escolher:
- Mortis.
O soldado esboçou um sorriso e, com sua foice nas costas, caminhou até Feodor, fazendo uma reverência. Foi até o lado de Baltazar e cochichou:
- Ele sabe realmente quem escolher.
- Shh... – disse Baltazar, tentando segurar o riso.
Feodor olhou mais uma vez para o contingente e achou Gradus atrás de vinte homens bem armados. Ele sorria.
- Gradus. – disse o comandante, por fim.
Gradus correu até os quatro companheiros e se pôs em posição de sentido. Balduíno olhou os candidatos e acenou positivamente com a cabeça, concordando com a escolha.
- Vocês irão agora voltar com Demenzel para Espiritus-Sanctum. Ali receberão as normas e tudo o mais. Peguem os cavalos com suprimentos, não precisaremos por ora de ser rápidos.
Os homens bateram continência e foram até os cavalos. Não eram bonitos como o cavalo branco de Demenzel, mas eram muito mais fortes e definidos. Os cinco soldados passaram a mão levemente sobre a cabeça dos animais e estes aquiesceram.
Montaram rapidamente e partiram com Demenzel para onde ficava Espiritus-Sanctum.
***
Subiram o morro lentamente e Demenzel, que ia mais a frente, olhou para o horizonte. Não conseguia enxergar ainda aquele abismo infernal, onde quase morreu. O cavalo branco, cansado, parou de se esforçar e começou a trotar levemente, arrancando tufos de gramas do chão.
Baltazar olhou para o céu e viu o sol, sereno e escaldante ao mesmo tempo. Aquela bola de fogo imensa os olhava e parecia prometer que cuidaria deles durante o dia. Apenas parecia. O mensageiro puxou o mapa e olhou para este por alguns instantes, enquanto seu cavalo andava e era passado pelos outros cinco.
- Engraçado. Quando passei por aqui, tinha um enorme desfiladeiro e no mapa estava escrito Caminho das Pedras da Morte, mas aqui não tem nada e no mapa agora está escrito Areias Traiçoeiras. Estranho.
- Talvez tenha sido coisa de sua cabeça, jovem. – disse Feodor.
- Eu podia jurar que eu quase morri aqui. – disse Demenzel, por final, olhando mais uma vez o mapa.
As Areias Traiçoeiras, o lugar onde eles não gostariam de estar nem um pouco. Assim que o cavalo de Mortis pisou onde no mapa o nome do lugar estava escrito, suas patas afundaram na grama. O cruzado caiu do cavalo e viu seu corpo ser engolido.
- Me ajudem! – gritou ele, e viu então que todos estavam dentro da armadilha.
***
Espiritus-Sanctum. O lugar calmo e sereno agora estava coberto de sangue e de uma névoa espessa. Um bater de asas fez com que as fumaças de uma casa em chamas formassem um redemoinho. Pessoas mortas no chão, soldados despedaçados.
- Finalmente estou no mundo material. Ninguém irá me deter. – disse Balor, agora com forma física.
Continua no próximo arco: Inferno na Terra.
Shadow.
Shadow

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